Venceremos! Thomas Sankara, discursos escolhidos

Discours en portuguais 4ème de covuerture

Tradução dos discursos escolhidos para português:
Apolo de Carvalho, Catarina Martins, Gisela Casimiro, José Santy Junior, Mamadou Ba e Sónia Vaz Borges

Prefácio de Jean-Michel Mabeko-Tali
Língua original: francês
Discursos a partir das suas transcrições em www.thomassankara.net Ilustração da capa: Rutebuk Art, Goma, RDC
Revisão: Catarina Martins e Zetho Cunha Gonçalves

Design e paginação: Inês Ramos
© Ouvir e Contar, Associação de Contadores de Histórias

1a edição em língua portuguesa: outubro 2020

Projeto editorial: FALAS AFRIKANAS Direção editorial: Raja Litwinoff

Editora Falas Afrikanas, Outubro 2020


comentários por Augusta Conchiglia

Em somente quatro anos no poder, Thomas Sankara deixa um corpus de declarações e reflexões sobre o estado do seu país, da África e do mundo que continuam relevantes mais de três décadas depois da sua morte; e que são de forma consolidada, fonte de inspiração para a juventude africana empenhada na construção de alternativas políticas e lutas sociais.

Traduzidos em várias línguas ao longo destes anos, nomeadamente em inglês, alemão e espanhol, os principais discursos do efémero presidente do Burkina Faso não estavam ainda disponíveis em português. A iniciativa da Editora “Falas Afrikanas”, que se tem apoiado em tradutores de qualidade, é duplamente meritória:  por potencialmente atingir o grande publico lusófono – de Portugal até  ao Brasil e a África-, e, em especial, os países africanos de língua oficial portuguesa pelos quais Sankara se interessou de perto, como o demonstra a sua homenagem a Samora Machel, num dos seis textos aqui publicados.

Da visita que Sankara efetuou em 1984 a Angola e a Moçambique, dois países em guerra contra as agressões sul-africanas e a guerrilha dos seus proxies, tirou alguns ensinamentos.  “O sistema de colonização que conheceram os povos da África Austral”, sublinhou, “tem favorecido uma tomada de consciência que gerou longas lutas de libertação e também um elevado nível de consciência das massas populares”. Porém, acrescentou após o seu regresso a Ouagadougou, quase dez anos depois das independências conquistadas de armas na mão, “estes povos começam a sentir o cansaço de terem de enfrentar sozinhos as agressões do país do apartheid. “Na realidade”, afirmou, “eles foram abandonados pelos países africanos”. O seu interesse pela causa da libertação da África Austral  levou-o a reagir em tom crítico aquando dos acordos de paz assinados entre Maputo e Pretória e as suas consequências negativas para os combatentes do ANC. Porém, corrigiu a seguir esta percepção, afirmando que “ninguém tem o direito de julgar os que lutam sozinhos contra a profundamente racista potência da África subsariana… As modalidades e meios de a combater são da única competência dos países da Linha da Frente”, concluiu com modéstia.

Os leitores de Angola e Moçambique têm assim a oportunidade de redescobrir uma figura do Panteão revolucionário africano cuja ação no teatro continental pode ter-lhes passado despercebida numa altura em que a África Austral se encontrava submetida à ameaça permanente do pais do apartheid.

Apesar das características especificas do Burkina, o nono pais mais pobre do mundo (em rendimento per capita) quando Sankara tomou o poder em 1983, a sua breve experiência revolucionária tem ensinamentos cruciais para a definição de estratégias de desenvolvimento económico dos países mais pobres. Se bem que relativamente generosa, a ajuda internacional atribuída ao Burkina permitia somente a manutenção do status quo, como Sankara não se cansava de lamentar. A divida exterior não deixava margem para os investimentos indispensáveis à realização dos programas de desenvolvimento económico e social, nomeadamente a autossuficiência alimentar e uma melhoria significativa da vida dos camponeses, os principais produtores da riqueza nacional. A permanência de uma dívida elevada, contra a qual pronunciou o discurso magistral na OUA aqui publicado, limitava significativamente a obtenção dos indispensáveis financiamentos exteriores para as prioridades do novo poder. Os planos detalhados para sair do subdesenvolvimento crónico também não foram devidamente compreendidos em sectores da população urbana e até pelos sindicatos da função pública, inicialmente associados ao processo revolucionário, mas reticentes a conceder sacrifícios. A realidade económica do país exigia fortes correções, como explicou Sankara no discurso do primeiro aniversario da revolução. Com efeito, a administração absorvia na altura 70% das receitas do estado e os consumos ocidentalizados das elites urbanas pesavam negativamente na balança comercial. No entanto, as campanhas para consumir e vestir produtos nacionais lançadas por Sankara, cuja equipa governamental tinha reduzido ao máximo o seu estilo de vida – substituindo por exemplo os Mercedes ministeriais por modestos Renault 5! – tiveram apreciáveis efeitos e os planos para um desenvolvimento endógeno e uma descentralização administrativa avançaram nestas primeiras fases. O trabalho voluntário dos Comités da Revolução que construíram as infraestruturas básicas para a viabilidade política e autogestão económica das vinte e cinco novas províncias, tinha lançado as bases de um reequilíbrio a nível nacional. Sankara não se cansava de repetir que as províncias deviam dispor de “pelo menos uma escola, uma maternidade, um dispensário, uma banca de cereais e, porque não, de um cinema, de uma pista para dançar, e, eventualmente… de uma orquestra!”

Estes modestos objetivos são reveladores dos índices de pobreza do interior do país e dos reajustamentos necessários a curto prazo. Incluindo a igualdade de género a todos os níveis. A detalhada dissertação aqui publicada sobre a condição da mulher em África e no mundo, demonstra com clareza a atenção especial que Sankara atribuía a esta questão crucial. Na sociedade patriarcal do Burkina, onde a excisão era muito difusa, o jovem presidente sabia, porém, que ia enfrentar fortes resistências. Com o humor que o distinguia, lançou iniciativas indiretas para sublinhar a mais que injusta distribuição das tarefas no seio das famílias. Assim, decretou um meio dia por semana onde os funcionários da administração eram “convidados” a ir aos mercados para as compras da casa em lugar das suas mulheres… Ao mesmo tempo, iniciou uma campanha para pôr fim à excisão, que fez do Burkina o primeiro país da região a ter uma politica intransigente sobre esta pratica profundamente machista. Numa entrevista filmada pelo grande cineasta e documentarista francês René Wautier, à qual assisti, ouvi-o afirmar que as mulheres “também tinham direito ao prazer…”.

No próprio Burkina, como sublinhado por Bruno Jaffré, o maior (e prolífico) biógrafo francês de Thomas Sankara, historiador da experiência revolucionária do Burkina Faso, a insurreição de 2014 que tirou do poder o chefe de Estado Blaise Compaoré, criou uma situação nova e acentuou o desejo de revisitar a experiência política e humana lançada a 4 de Agosto 1983 pelo capitão Thomas Sankara e um grupo de oficiais, suscitando um entusiasmo popular inédito no pais. Desde o assassínio de Sankara e de treze dos seus colaboradores, a 15 de Outubro 1987, num complot liderado pelo seu companheiro da revolução e amigo de sempre Blaise Compaoré, a memória e o legado do legendário capitão têm sido escondidos ou banalizados.

O discurso que fecha este livro-documento, que devia ser pronunciado no dia em que foi assassinado, permite entrever as contradições e ambições pessoais que se manifestavam  neste estado da revolução, tal como os esforços de Thomas Sankara para os ultrapassar. Consciente da ruptura que se manifestava entre ele e Blaise e dos riscos da sua própria vida, Sankara tinha-se porém determinadamente recusado a ser o primeiro a “levantar o gladio”, com a secreta esperança de uma possível explicação e reconciliação.

A abertura de Ouagadougou do julgamento dos presumíveis assassinos de  Sankara e dos seus companheiros poderá permitir uma maior compreensão do contexto politico da altura, evidenciar as eventuais implicações regionais ou internacionais, nomeadamente francesas, graças nomeadamente à recolha de uma centena de depoimentos pelo incansável juiz instrutor François Yaméogo e a sua equipa. Blaise Compaoré, confortavelmente refugiado na Côte d’Ivoire, será provavelmente julgado em absentia

Com a morte de Sankara e o fim da incipiente experiência revolucionaria, a história precisa de ser recontada e melhor compreendida. Em 1985, depois de uma visita a Ouagadougou e um encontro com Sankara, o  prestigiado escritor e analista camaronês Mongo Beti, escreveu que “a revolução do Burkina tinha três virtudes cardeais: a frugalidade, a dedicação e a modéstia”. E uma serena vontade de combater a corrupção, o “maior drama das nossas sociedades”. Mais ainda, Beti tinha então detectado os sinais “de um socialismo não ortodoxo realmente virado para a libertação do homem – sem gulags!”

Augusta Conchiglia


Apresentações de tradutores

Os tradutores dos seis discursos e do prefacio tem em comum uma forte relação à nível universitário, cultural, social ou associativo entre Portugal e Africa. O prefacio é da autoria do congolês Jean-Michel Mabeko-Tali, professor de História africana na universidade americana de Howard e autor de importantes estudos sobre o principal movimento político angolano, o MPLA. Mamadou Ba universitário de origem senegalesa, nomeadamente titular do curso de tradutor da universidade de Lisboa, traduziu a transcrição do discurso proferido por Sankara em Harlem, durante a visita que efetuou em 1984 à New York para a sua intervenção na Assembleia geral das Nações Unidas, cujo discurso é aqui traduzido por José Santy Júnior de Guiné Bissau. Catarina Martins, professora à Coimbra e antiga leitora na universidade Cheikh Anta Diop de Dakar, redigiu a versão portuguesa da homenagem a Samora Machel.

A portuguesa Sónia Vaz Borges, que se define como historiadora militante (redigiu um estudo publicado em 2019 sobre a política de educação do PAIGC antes e depois da independência da Guiné) traduziu o texto sobre a libertação das mulheres. A escritora e artista guineense Gisela Casimiro é autora da tradução do famoso discurso sobre a divida proferido em Julho 1987, na Organização da Unidade Africana.

Enfim, o cabo-verdiano Apolo de Carvalho, estudioso do grande tradicionalista maliano Hampâté Bâ,  é o autor da tradução do último discurso redigido por Thomas Sankara, que devia ser pronunciado no dia em que foi assassinado, o 15 de Outubro 1987.

Augusta Conchiglia

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